Direitos À Moradia E À Preservação Ambiental Na Cidade De Boa Vista – RR
ADAPTADO POR:
Leandro Muniz Barbosa da Silva
lembsilva@gmail.com
Universidade Federal do Ceará
A expansão do tecido urbano para Áreas de Preservação Permanente – APPs de rios urbanos ocasiona conflitos e afeta a maioria das cidades brasileiras. Na prática, essas áreas têm sido negligenciadas em parte significativa dos núcleos urbanos do país pelo Poder Público e principais agentes produtores do espaço urbano. As APPs são protegidas por lei porque preservam os recursos hídricos, a paisagem, a biodiversidade e asseguram o bem-estar das populações. As ocupações irregulares nessas áreas podem acarretar impactos ambientais adversos, como o assoreamento dos rios e desastres ambientais como as enchentes e os deslizamentos de encostas colocando em risco as populações residentes desses espaços.
A realidade urbana muitas vezes é composta por grupos alvos da segregação socioespacial que sofrem com a violência, falta de habitação, saneamento ambiental, emprego e educação. Sem acesso moradia e outras condições básicas para sobrevivência, esses grupos tendem a ocupar áreas não habitadas de maneira irregular, o que inclui as APPs. A presente pesquisa buscou compreender o processo de ocupação irregular das margens dos rios urbanos da cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima, sua relação com as desigualdades sociais, implicações administrativas, cíveis e penais advindas desse processo em suas APPs.
A importância da formação das cidades no Norte do Brasil tem como característica sua localização às margens dos rios, facilitando o transporte aquaviário de passageiros e mercadorias geradas na região amazônica. A recente ocupação da cidade de Boa Vista incentivada por governos estaduais nas décadas de 1980 e 1990, gerou um fluxo migratório de várias partes do país para promoção do desenvolvimento do estado de Roraima. No início, os novos habitantes concentraram-se no seu centro e em seguida foram ocupando outras partes da cidade. O que culminou em um traçado arquitetônico composto por 56 bairros, onde os mais populosos encontram-se na Zona Oeste da cidade. Deste processo, surgiram desdobramentos conflitantes já que a cidade é cortada por vários igarapés[1] incorporados à tessitura urbana e que tiveram suas margens ocupadas irregularmente.
Visto que a cidade agrega uma vasta quantidade de corpos hídricos, dentre eles, foram escolhidos os Igarapés Caranã, Caxangá, Frasco, Grande, Mirandinha e Pricumã (Figura 1), como objetos da pesquisa por apresentarem uma grande quantidade de construções irregulares causadoras de conflitos socioambientais em processo de judicialização.
Figura 1 – Perímetro Urbano de Boa Vista – RR
Fonte: IGNÁCIO, 2019.
A expansão da cidade em função de incentivos governamentais e mais recentemente, por meio de doações de terrenos públicos e privados, provocou muitos casos de construções irregulares em APPs. Foram observadas ações irregulares no parcelamento e na ocupação do solo, contrapondo-se com o proposto no Plano Diretor municipal que trata do ordenamento e estruturação urbana, por meio de diretrizes relativas à política habitacional, fiscalização e controle da ocupação urbana e preservação ambiental.
No que diz respeito à aplicação da legislação nos casos apresentados na pesquisa, conclui-se que as decisões obedeceram a dois critérios, das que perpassam pelo direito à moradia, em que o Estado observou a consolidação das situações apresentadas, representadas principalmente, pelo tempo transcorrido entre o processo administrativo e a judicialização das infrações, sendo o infrator beneficiado e permanecendo na moradia. E outra, pela aplicação das normas que se dá com a retirada ou demolição das moradias que estão construídas em APPs, fato evidenciado principalmente, com construções novas, onde é aplicado o que determina a legislação e a retirada acontece.
Apesar das decisões jurídicas buscarem uma homogeneização de sua atuação, foram encontradas contradições em alguns caso que implicam em interpretações que ultrapassam a capacidade dos órgãos de justiça em tomar decisões homogêneas, desdobrando-se em resultados incipientes e que agravam as violações de direitos das populações mais vulneráveis, representando ameaças ao direito à moradia nos casos das APPs. A cidade de Boa Vista encontra-se numa região ambientalmente vulnerável, por estar inserida em uma área extremamente plana, incorporando vários corpos hídricos e suas respectivas APPs, severamente impactados ao longo de 33 anos de crescimento urbano.
A preservação dos recursos hídricos em ambientes urbanos é prevista na legislação ambiental, porém, a mesma não foi respeitada no processo de expansão urbana da cidade ao longo do tempo. A espacialização das ocupações irregulares em APPs dos igarapés urbanos da cidade, podem ser observadas no mapa a seguir pelos pontos em vermelho. Desse modo, destacam-se as ocupações irregulares de 6 igarapés alvos da pesquisa: 1. Caranã: 160 ocupações; 2. Caxangá: 283 ocupações; 3. Frasco: 04 ocupações; 4. Grande: 11 ocupações; 5. Mirandinha: 151 ocupações; 6. Pricumã: 110 ocupações (Figura 2).
Figura 2 – Crimes Ambientais na Área Urbana e Ocupações Irregulares nas Faixas de APPs
Fonte: IGNÁCIO, 2019.
A configuração espacial urbana de Boa Vista é marcada por um conjunto de fatores complexos, onde diversos atores públicos e privados são os principais responsáveis por esses efeitos prejudiciais ao meio ambiente e a sociedade. O cerne da problemática está na omissão em não estabelecer um planejamento para a ocupação urbana, deixando o processo seguir de maneira desordenada, ou mesmo em não combater com medidas normativas a especulação imobiliária. É necessário que o ordenamento territorial esteja em consonância com os projetos urbanísticos e paisagísticos sustentáveis, para a garantia das APPs, seu entorno e as populações locais, em um processo que qualificará a cidade como referência na incorporação de políticas de desenvolvimento urbano e preservação ambiental.
Para maiores informações e detalhamento, consultar o texto base:
IGNÁCIO, Rozane Pereira. Direitos à moradia e à preservação ambiental na cidade de Boa Vista – RR. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Fortaleza, 252 p, 2019. Disponível em: http://repositorio.ufc.br/handle/riufc/45190. Acesso em 21 de abr. 2021.
[1] Curso d’agua estreito onde só possível a navegação de pequenas embarcações