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Agricultura urbana: o sabor da resistência nas cidades

Data da publicação: 14 de outubro de 2025 Categoria: CRÔNICIDADES

Por: Francisco Moacir de Saboia Filho

Há cidades que não se revelam aos olhos distraídos, que não se apresentam em letreiros luminosos ou cardápios de QR code. A cidade produtora de alimentos não é uma utopia futurista nem um passado idealizado, é uma realidade presente, ainda que muitas vezes invisível aos olhos apressados. Ela floresce da sabedoria tradicional e, longe de ser um gesto primitivo, é um ato de resistência. É uma agricultura urbana que (r)existe, tecendo raízes invisíveis entre quem planta e quem consome, revelando um cardápio vivo, fresco e diverso.

Esse cardápio não é inventado em laboratórios; é herdado, relembrado e adaptado por quem nunca esqueceu que a terra, mesmo nas cidades, pode dar frutos. Sua materialização é diversa e se dá em hortas urbanas, quintais produtivos e pequenos sítios que resistem a diferentes pressões urbanas. Assim como os cultivos se adaptam a esses pequenos espaços de resistência, os frutos frescos seguem um caminho igualmente adaptado: são comercializados principalmente em feiras e mercados de bairro, construindo um circuito produtivo curto que encurta distâncias e fortalece uma economia solidária.

Optar por este cardápio é um ato político ecológico. Cada fruto colhido numa horta comunitária significa menos transporte, menos combustível, menos embalagem. É comida com um rastro de carbono drasticamente reduzido. Promove a segurança alimentar, o verde na cidade e a valorização de saberes tradicionais. É um cardápio que, literalmente, refaz o tecido urbano, tornando-o mais habitável e humano.

Quem são os chefs desta cozinha urbana? Os dados do Censo Agropecuário de 2017 revelam que são as famílias agricultoras, que respondem por 77% dos estabelecimentos agropecuários do Brasil. Essa realidade nacional encontra em Fortaleza um exemplo emblemático. Apesar de seu elevado grau de urbanização, a agricultura familiar mantém expressiva relevância no espaço intraurbano: dos 244 estabelecimentos agropecuários da capital, 197 são familiares, representando 80,7% do total. Esses produtores, que em sua maioria têm na comercialização sua principal finalidade, geraram um valor de produção de R$ 10.673,00, dedicando-se especialmente ao cultivo de hortaliças como coentro, cebolinha e alface.

Esses verdadeiros “chefs da terra” enfrentam desafios monumentais: desde a pressão imobiliária que avança sobre áreas agrícolas metropolitanas até a falta de reconhecimento institucional, passando pelo acesso limitado a políticas públicas. Contudo, sua resistência ganha forma em iniciativas como as cozinhas comunitárias, feiras agroecológicas, cooperativas de agricultores familiares e, mais recentemente, na Lei nº 14.935/2024, que estabelece a Política Nacional de Agricultura Urbana, Periurbana. Essa legislação chega como um instrumento crucial para fortalecer circuitos curtos de produção e consumo, mas precisa ser efetivamente implementada com recursos e programas concretos.

É necessário que esta agricultura urbana transcenda o lugar de resistência que ocupa há décadas e seja reconhecida como um pilar essencial das cidades que queremos construir. Estamos falando de segurança alimentar, microclimas confortáveis, de alimentos frescos que chegam à mesa sem intermediários longínquos. É sobre conhecer quem plantou o seu alimento, de resgatar o tempo natural da colheita. A Agricultura Urbana existe e cabe a nós, sociedade e também o poder público, regá-la com o reconhecimento e os recursos que merece. Para que o sabor da resistência se transforme, afinal, no direito permanente à cidade que nutre.

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