
Por: Leandro Muniz Barbosa da Silva
Sempre digo que uma cidade não se explica apenas pelo concreto das ruas, nem pelo vai e vem apressado das pessoas. É preciso olhar também para os vazios, para os respiros, para aquilo que a gente quase não nota: o verde urbano. Fortaleza, com toda sua pressa e calor, guarda uma rede de áreas verdes protegidas que formam um sistema peculiar, feito tanto de leis quanto de afetos.
Chamamos de Sistema Municipal de Áreas Verdes. O nome pode soar técnico, mas na prática ele é tecido de lugares que atravessam o cotidiano: as Unidades de Conservação, os parques urbanos, os lineares que acompanham os riachos, as praças de bairro onde se conversa na sombra de um oitizeiro (árvore protegida de corte). É uma mistura — quase uma colcha de retalhos — que, mesmo fragmentada, desenha um manto verde que cobre e protege a cidade.
Essas áreas regulam o clima, filtram o ar, absorvem a água das chuvas e oferecem refúgio para aves, insetos e pequenos animais. São como pulmões, mas também como memória viva: lembram que a cidade não nasceu do nada, mas se ergueu sobre ecossistemas que ainda persistem.
O exemplo maior é o Parque Estadual do Cocó. Ali, entre o mangue e a mata, Fortaleza encontra seu coração verde. É um espaço onde a cidade respira mais fundo: os manguezais funcionam como barreira natural contra enchentes, purificam a água, equilibram o clima e ainda sustentam modos de vida tradicionais. Para além da função ecológica, o Cocó é lugar de lazer, de esporte, de educação ambiental — um laboratório a céu aberto que ensina sobre a relação delicada entre sociedade e natureza.
Mas o mesmo raciocínio vale para a praça simples do meu bairro, onde crianças aprendem a pedalar e senhores se reúnem para jogar dominó. Cada área protegida, com sua escala e suas regras, compõe um pedaço desse mosaico de benefícios. Não é exagero dizer que, sem elas, a cidade seria menos saudável, mais árida, mais desigual.
E aí está a beleza: não se trata de separar o que é “regulado” do que é “vivido”. O verde protegido em Fortaleza é também espaço de encontro, de lazer e de disputa. É onde a cidade se reconcilia consigo mesma. Em meio ao calor escaldante, sentar-se na sombra de uma árvore é mais do que conforto: é qualidade de vida, é saúde pública, é um direito.
Como professor de Geografia, não posso romantizar demais. Sei que há tensões: a pressão imobiliária que transforma áreas verdes em terrenos, a falta de manutenção que deixa praças esquecidas, a dificuldade de integrar diferentes categorias de proteção. O sistema existe, mas enfrenta desafios para se consolidar como uma rede coerente e acessível a todos.
Ainda assim, gosto de pensar que Fortaleza respira por esses interstícios. Talvez a cidade não seja só a que vemos nas avenidas largas ou nas torres à beira-mar. Ela também se revela nos parques, nos mangues, nas praças — espaços que guardam histórias, oferecem serviços ambientais e resistem à lógica impiedosa da homogeneização nos grandes centros urbanos.
Ensinar isso é, antes de tudo, ensinar a olhar. Mostrar que o verde urbano não é sobra, mas essência. Sem ele, a vida na cidade seria apenas sol e concreto. Com ele, ganhamos sombra, memória, saúde e a possibilidade de um futuro mais justo e sustentável.
