Uma indústria invisível em Fortaleza: a periferia no coração produtivo da cidade
Data da publicação: 10 de novembro de 2025 Categoria: CRÔNICIDADES
Por: Mateus Almeida Rodrigues
O barulho incessante das máquinas. A fumaça espessa das chaminés. O vai e vem constante de veículos pesados. A multidão de trabalhadores em frente aos portões, à espera de iniciar mais uma jornada de trabalho. Hoje, seria inimaginável pensar o desenvolvimento das metrópoles brasileiras a partir desse cenário, na medida em que as atividades industriais passam a denotar o oposto daquilo que se concebe como sustentabilidade: o símbolo da poluição, do atraso tecnológico e da aglomeração desmedida. Não seria absurdo afirmar que o “sonho” da indústria, como vetor do progresso, sucumbiu à marcha da história.
Fortaleza, em suas contradições e multiplicidades, não escapa a essa nova realidade. A refuncionalização e, em alguns casos, o próprio abandono de galpões industriais no antigo eixo da atual avenida Francisco Sá expressam o processo de reestruturação do espaço urbano. Seja em função do avanço de empreendimentos comerciais ou da expansão da oferta de serviços diversos, a cidade passa a ser menos vinculada, no imaginário e na realidade objetiva, à esfera da produção e ao mundo do trabalho fabril. Expulsa em direção às franjas metropolitanas, a indústria passa a reconfigurar sua relação intrínseca com o urbano.
Os ramos considerados tradicionais (têxtil, vestuário, metalurgia, entre outros) foram, de fato, aqueles mais diretamente impactados por esse processo, em razão da menor absorção tecnológica e da maior demanda por espaço e por trabalho. Observou-se, a partir da década de 1980, um relevante movimento de relocalização que incidiu sobre municípios metropolitanos, como Maracanaú, com a instalação da Vicunha Têxtil e outras empresas correlatas. Contudo, embora se intensifique o deslocamento das atividades de produção de tecidos, Fortaleza ganha destaque na comercialização dos produtos de vestuário.
Neste sentido, o “Centro Fashion Fortaleza” (no bairro Jacarecanga), o “Shopping Giga Mall” (no bairro Messejana), o “Shopping Fortaleza Sul” (no bairro Parreão), a “Feira da Madrugada” no entorno da avenida José Avelino (no bairro Centro), tornam-se relevantes exemplificações dos pontos de convergência da economia urbana. Aqui, gostaria de indagar a você, caro leitor/cara leitora: seria possível estabelecer conexões entre a produção e a comercialização do vestuário no cerne do espaço urbano de Fortaleza? O fenômeno das “confecções”, portanto, ganha destaque: distribuídas em diversos bairros, arregimentam trabalhadores na produção de roupas femininas, masculinas, infantis, de moda praia, em infinidades de modelos, tamanhos, cores… O barulho das máquinas (de costura) se perpetua, mesmo que em termos quantitativos e qualitativos muito diferentes daquele inicial.
A partir disso, convido o/a leitor(a) a realizar um exercício de percepção ao circular por bairros periféricos de Fortaleza, sobretudo em sua porção oeste, e observar portões abertos de imóveis aparentemente comuns: note a existência de máquinas de costura, geralmente operadas por mulheres, a moldar camisas, vestidos, biquínis e roupas íntimas; veja os retalhos espalhados pelo chão ou armazenados em grandes sacolas plásticas; aviste a aglomeração de trabalhadores à espera do transporte público ao fim de mais um expediente de trabalho, por volta das 17h, em função da localização dessas pequenas fábricas. Uma indústria “invisível” aos olhos da maioria, embora capaz de movimentar um robusto circuito que se materializa em diferentes bairros, seja o Montese, o Bonsucesso, a Barra do Ceará ou o Henrique Jorge.
Em minha experiência de vida, deparei-me inúmeras vezes com esses aspectos: desde a “confecção” instalada na vizinhança da rua onde, desde criança, observei a entrada e saída de tecidos e roupas, até a operação da unidade fabril pertencente à Unitêxtil, uma das últimas empresas têxteis a resistir no espaço urbano de Fortaleza, situada a apenas algumas quadras de distância. Em suas tipologias, tamanhos e especializações, estes empreendimentos contribuem para a ressignificação de uma dimensão industrial que, ao invés de desaparecer, encontra novos modos de produzir e reproduzir a cidade.
